Acho importante dizer que já tinha passado por 3 obstetras antes de chegar ate o GAMA (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa) e conhecer a Dra. Andrea que me acompanhou no Pré-Natal. Acho que antes de começar a frequentar o GAMA e fazer minhas opções (pela saudável e louvável influência de um casal de amigos que tiveram suas filhes de parto natural), eu já buscava algo que não sabia bem o que era, e por isso fui mudando de médicos, achando sempre um “defeitinho”.
A realidade brasileira com relação ao parto é muito cruel, somos campeões mundiais em cesáreas provando que a adoção desse “procedimento” por parte dos médicos foi banalizada. Os motivos para isso, são os mais variados, mas esbarram sempre na questão financeira e na falência do sistema público de saúde, dando possibilidade aos convênios ditarem regras absurdas e aos médicos se tornarem, principalmente no caso dos partos, tiranos ditadores de suas vontades e conveniências.
Foi levando esses e muitos outros fatores em consideração que nossa mente se esclareceu com relação ao parto. Eu queria ter um parto “normal”, mas queria também um acompanhamento diferenciado do que vemos e ouvimos por aí, diante dessa dura realidade brasileira. O fato é que encontramos! Através do GAMA, achamos uma médica que entendia o parto de forma natural, respeitando o momento como sendo da mulher, do casal e do bebê por nascer. Também através do GAMA, soubemos da existência das tais “Casas de Parto”, e logo eu e Daniel nos sentimos atraídos. Mas antes fomos conhecer as maternidades e depois de nos depararmos com uma realidade fria, vimos que realmente precisávamos de alternativas.
O parto domiciliar nos agrada, mas acredito que como pais de primeira viagem, isso pesou para não irmos fundo nessa opção, mas de qualquer forma aprendemos a entendê-la como uma das melhores opções para o nascimento. Daí fomos conhecer a Casa de Parto de Sapopemba num sábado pela manhã, e ficamos apaixonados. A partir deste dia ficou quase decidido que teríamos a bebê lá. O lugar é muito legal tem uma aura muito boa, saudável, pessoas muito capacitadas e profissionais atendendo e um cheiro de comidinha caseira que fica na memória! A decisão de ter nossa bebê na Casa de Parto foi um processo de amadurecimento de várias questões que nos foram apresentadas durante os 9 meses de espera.
Agora vamos aos fatos…
Dia18/06/06, domingo, final do feriado de Corpus Cristi. Pela manhã comecei a sentir algumas dores diferentes e avisei o Daniel que estava com contrações leves. Passei o dia todo assim. O Daniel insistia para eu ligar para a minha doula* e prof. de Yoga, a Cris, que estava comemorando seu aniversário de 40 anos num sítio… achei que podia esperar mais e só liguei à noite.
Contei sobre as contrações, etc e ela disse que eu poderia estar em prodomus** mas que tabém isso poderia ser um alarme falso e eu entrar em trabalho de parto só depois de alguns dias…
Ela também foi bem clara em me aconselhar a dormir o máximo que eu conseguisse e tentar relaxar, mesmo entre as contrações. Segui à risca os conselhos e naquela noite, mesmo com as contrações mais fortes, eu dormi o máximo possível, e era incrível como conseguia!!! Os intervalos eram de 10’ a 15’, mas dava para dormir!
Na segunda pela manhã, 19/06/06, as dores estavam mais intensas e os intervalos menores, de 5’ em 5’, 7’ em 7’, e o tampão*** saindo mais e mais… daí pra frente, controlar a respiração passou a ser fundamental (inspira, expira pela boca). Já me sentia uma “pata choca”, andava de um lado pro outro e percebi que ficar deitada era o pior dos mundos, as dores ficavam muito mais fortes!!!
Liguei denovo para Cris e contei a evolução do processo, ela então disse que achava que eu realmente estava em prodomus e denovo me aconselhou a dormir nos intervalos para poupar minhas energias. Também aconselhou o Daniel a ficar comigo pois a “coisa” poderia começar a pegar… Tomei um banho bem longo para relaxar, o que ajudou muito!
Eu estava muito tranquila e disposta a descansar mesmo, afinal o que mais eu poderia fazer. Daí desenvolvi uma técnica de ficar deitada nos intervalos e quando percebia que teria uma contração, levantava para não sentir tanta dor, isso era incrível – levantar rápido com aquela barriga!!!
Na parte da tarde as contrações dimunuiram a frequência e voltaram para 10 em 10’ (estranho…). Levantei e fiquei de um lado pro outro repetindo que precisava sair, que o espaço do “AP” estava muito pequeno… queria ir no parque caminhar.
A Cris ligou novamente e também me aconselhou a sair caso eu realmente estivesse disposta. Saímos e fomos caminhar, era engraçado estar no meio do parque de um lado pra outro, parando de 10 em 10’ para me apoiar e sentir as contrações… parecia que todo mundo estava percebendo o que se passava e que logo iriam dar um “presta atenção” no Daniel: “Cara, sua mulher tá parindo tira ela daqui!!!”
Mas eu continuava tranquila, sabia que o bebê estava começando a sair e que eu precisava ter calma e tranquilidade para que corresse tudo bem. Sempre me concentrava na respiração para buscar um certo alívio.
Quando voltamos para casa, com a chegada da noite (18h), a coisa apertou de verdade. Apesar do ritmo se manter igual, a dor ficou mais forte. Comecei procurar uma posição para suportar as contrações e descobri que se ficasse de 4 na cama ou de pé com as costas curvadas e apoiada em algo, ficava bem mais suportável… nessa fase, a mulher em geral parece um bicho procurando uma posição, um lugar, um “ninho”, alguma coisa que nem se sabe o quê!!!
Voltei pro quarto, quietinha, deitada no escuro e cochilando nos intervalos, mas ficando de 4 nas contrações…
Jantei, bebi muita água, mas sempre voltava pro escurinho do quarto. Nesse período o Daniel só monitorava o tempo e ficava por perto, vendo se tudo estava ok , ainda… a Cris também estava sendo informada, afinal acompanharia o parto. Nessas alturas ela já tinha dito que achava que o trabalho de parto iria engrenar na madrugada.
Mais ou menos às 23h, no meio de uma contração fortíssima a bolsa rompeu escorrendo um pouco de água. Corri pro banho, onde fiquei por quase 1h. Nesse meio tempo o Daniel ligou para a Cris que disse logo que se a bolsa tinha rompido durante uma contração, era por que o trabalho de parto já devia estar adiantado e que se eu quisesse poderíamos ir para a Casa de Parto, nos encontraríamos lá. Eu preferi que ela viesse em casa, achava que dava para ficar mais e também tinha receio de ir pra lá e ter que ficar muito tempo ainda... Eu estava muito tranquila apesar da dor, sabia que tinha um certo controle da situação e que podia ficar em casa mais tempo, não queria correr o risco de estranhar o ambiente, tinha noção que ficar em casa, o máximo possível, era o melhor a fazer.
Depois que a bolsa rompeu, a frequência das contrações aumentou para 3’ em 3’, a dor também aumentou e começou a sair sangue. Enquanto a Cris estava a caminho eu fiquei o tempo todo no chuveiro relaxando… como foi bom!!! Com a sua chegada, ficamos monitorando as contrações por mais ou menos 1h e quando decidimos ir para a Casa de Parto já era quase 1h da manhã.
O pior, de todo o processo foi o trajeto de casa até a Casa de Parto, não pelo tempo ou distância, mas pelo desconforto, parecia uma eternidade. As dores eram muito fortes e eu não tinha posição! Tentei várias coisas, a Cris até parou o carro durante uma contração para ver se melhorava… foi bem difícil!!!! Mas chegamos lá por volta da 1h30.
As enfermeiras, outra Cris e Marlene, nos receberam super bem e fomos verificar o andamento do trabalho fazendo um exame de toque e como foi horrivel!!! Me senti muito invadida! Mas tudo bem, fiquei também aliviada quando elas disseram que já estava com 7cm de dilatação!!! UAU!!!!!
Me senti encorajada com a “notícia”, mas sabia q estava entrando na fase mais difícil do trabalho – a transição – que seria a passagem dos 7cm para os 10cm.
Fomos então para a sala de parto onde recebi massagens, colocaram uma musiquinha para relaxar e as menina começaram a encher a banheira. O Daniel tava sempre do meu lado, super companheiro, segurando minha mão e me tocando quando lhe era possível.
A banheira foi abençoada, nela relaxei tanto que dormia de sonhar entre as contrações, dormia meeeesmo, ainda que somente 3 ou 4 minutinhos, mas dormia! Foi uma fase muito interessante, eu ali na banheira a Cris acariciando minha cabeça, o Daniel me dando a mão, me acariciando (ele tirou varias fotos nessa hora! Muito lindas!!!!), as meninas, parteiras, perguntando se eu queira alguma coisa, um silêncio quase absoluto, penumbra… todo mundo me assistindo, de alguma forma “me servindo”, tudo dependia de mim! Ali fiquei assim, em transe, por pelo menos 2h relaxando mas sentindo as contrações (lógico!), até q alguma coisa me disse “Priscilla, vc precisa acordar e voltar ao trabalho senão nada vai acontecer.” Abri os olhos, me ajeitei e as enfermeiras perguntaram se eu não estava sentindo vontade de fazer força, eu disse que achava que não… então a Cris (doula) pegou um ponto na minha mão, apertou e foi automática a “resposta”, veio uma contração com a força total… CARACA!!! Foi tão forte que minha vontade era dar um soco na cara dela(rs…), o Daniel tentou fazer o mesmo mas não funcionou, então ela mesma repetiu o toque nesse ponto mais umas 2 vezes no máximo e aí a coisa engrenou. Foi quando a Cris enfermeira fez outro exame de toque e constatou os 10cm, elas me orientaram a começar a achar uma posição para eu ficar pro bebê nascer.
Aí foi difícil, pois eu não queria me mover, tentei cócoras mas não fiquei confortavel. Elas disseram que eu poderia ficar na banheira mas teriam que completar a água para o bebê nascer ali… AH NÃO! Não dava para ter o discernimento de esperar para completar a banheira, o “bicho tava pegando” e tinha que desovar a “jaca entalada”, não dava para ser muito romântica naquela hora nem para pensar muito, ali eu era totalmente bicho! Como constatou o Daniel, naquele momento eu entrei na “partolândia”!!! Com muito esforço, sai da banheira e fomos para o quarto, subi na cama, mas juro que queria alguém me dizendo o que fazer, quando na verdade elas queriam que EU dissesse o que queria fazer… Eu não queria nada, queria que o bebê nascesse, doia muuuuiiito!!! Os puxos estavam super fortes e então eu lembrei da posição de 4 que me ajudava em casa durante as contrações. Fiz o mesmo ali, e instintivamente levantei uma das pernas abrindo para o lado, aumentando assim a abertura, senti que elas passaram um óleo na região do períneo para evitar a laceração.
Nessa hora eu já não estava mais lá. Sentia os puxos fortes e queria urlar, mas as meninas pediam para que eu canalizasse a força só lá em baixo sem despediçar com a voz… eu tentava e realmente fazia uma certa diferença, eu sentia uma coisa “entalada” que me dava um certo desespero, até que num dado momento perguntei o que tinha lá em baixo e as meninas responderam ironicas: “o que você acha??? É a Valentina!!! Capricha na força que ela tá saindo!” (rs…)
Já faltava pouco, o Daniel se aproximou para fazer uma carícia e quando me tocou disse que sentiu um choque e um arrepio, tamanha a energia que eu emanava naquele momento, muito incrível isso!!!!
E foi assim, depois de uns 4 puxos bem fortes ela nasceu, às 4h35 do dia 20/06/06, eu só senti um”glupt” e ela saindo por baixo, toda roxinha, feia e linda!!! Ainda ouvi a Cris enfermeira dizendo que tinha uma circular de cordão, deram uma mexida (que eu senti) e pronto estava ela desenrolada, depois o Daniel me contou que foi uma “manobra” super rápida que a parteira fez com toda segurança e habilidade.
Foi cansativo, dolorido mas compensador, lógico!!! Ela veio logo pros meus braços mamar e ficou um tempão comigo, o Daniel cortou o cordão depois que parou de pulsar, a placenta nasceu e só bem depois ela foi para a sala ao lado, acompanhada do pai para medir, pesar, etc. Pesou 3, 265 kg e mediu 51cm., uma meninona!!! A princípio ela era super roxa depois ficou toda iluminada, de verdade!!! Uma bebê linda!!!
Foi muito legal, tudo!!! Ao final de tudo tivemos, eu, Daniel e Cris (doula), direito ao mingau da Marlene (parteira) para renovar nossas energias, me sentia em casa!!! Muito realizada e feliz.
Meu parto foi muito legal e, segundo as “entendidas”, rápido. Na hora parecia uma eternidade depois, parando pra pensar, até consegui achar rápido. Na Casa de Parto foram 3h (cheguei 1h30 e 4h30 ela nasceu), a fase ativa do trabalho de parto durou ao todo umas 6h no máximo, mas contando com o prodomus talvez tenha sido umas 24h total.
Tive um parto tranquilo, em nenhum momento pensei que não iria suportar e nem pensei em analgesia, deu pra segurar as dores, que são realmente fortes. Não tive nenhum tipo de intervenção, não tomei nenhuma droga. A bebê nasceu ótima, e também não teve nenhuma intervenção, NADA! Chorou muito na primeira noite mas só porque queria ficar comigo… no meu peito… fofa, meu pacotinho!!!!
No pós-parto imediato tive alguns incômodos que foram normais, mas nada que me desanimasse ou me fizesse repensar minha escolha pelo parto natural.
A Casa de Parto de Sapopemba nos acolheu muito bem, como estava sozinha, o Daniel pôde ficar comigo o tempo todo, só não dormiu… Me deram uma super orientação sobre amamentação, banho, cuidados, etc. Me sentia em casa com comidinha caseira, bolo de banana, chazinhos, torradas na madrugada tudo muito legal!!!!! Nota 1000!!!!!
Me sinto muito bem pelo parto e muito feliz que tenha dado tudo certo, a cumplicidade do Daniel foi primordial para que as coisas corressem bem. Eu me sinto muito mais forte como mãe e mulher e essa força veio do parto natural… o engraçado disso tudo, são as mulheres, mães, vindo perguntar como é essa “coisa” de parto, como são as dores… uma curiosidade estranha… como se isso fosse naturalmente para poucas e não para a maioria.
Que bom que tivemos essa oportunidade linda de ver nascer e participar ativamente do nascimento de nossa filha.
Temos sorte: eu , Daniel e Valentina.
*doula: acompanhante de parto
** prodomus: fase inicial do trabalho de parto com contrações desritmadas
*** quem quiser conhecer o GAMA acesse: http://www.maternidadeativa.com.br
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Um comentário:
Oi Priscilla,
Passei parte desse domingo de preguiça vendo vídeos de partos no youtube. Fiquei feliz por saber da Casa do Parto, lá em Sapopemba, lugar que frequentei tanto nos últimos dois anos por conta da minha pesquisa. Não estou grávida, embora eu e o Ri tenhamos falado sobre isso nos últimos tempos. Adorei sua estória. E também a sua trajetória. Essas incertezas da vida, dos caminhos que vão fazendo curvas e nos levando pra outros lugares, a partir dos eternos "não saber". Eu tô agora aqui em Berkeley, fazendo um sanduiche rápido de 6 meses e já pensando que talvez seja melhor voltar pro trabalho de base, pras políticas de prevenção da violência... longa história. Mas que bom seria, quando eu estiver grávida (e não vai demorar depois de "parir" a tese) poder trocar idéias (doula é coisa nova pra mim!).
Nunca leio blogs, nunca faço comentários e também nunca passo um domingo vendo vídeos de parto humanizado. Nesse dia tão atípico escrevo pra você. E deixo meu abraço, registrando minha admiração.
Tudo de bom! Um abraço, Ana Paula
(anapcruz_br@yahoo.com.br)
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