19 março 2007

Crônica do Punk da Periferia


Fui levada ao tema através do interessante texto de um amigo que escreve sobre rock x literatura em um site de música. O texto dessa semana era sobre o Movimento Punk no Brasil - muito legal por sinal (veja link) - o que me levou a viajar nas memórias de um tempo muito divertido…

Não me considero tão velha assim, mas quando me peguei rememorando o final dos anos 80, quando eu tinha lá meus 12, 13, 14 anos… putz… fiquei bem pensativa. Tipo… “20 anos atrás? Caramba!!!”

O Movimento Punk… sim ele mesmo! Eu nasci junto com o Movimento Punk, mas quando pude “entendê-lo”, ou melhor, curtí-lo, ele já estava passando. Mas as memórias me levaram de fato, aos idos de 1987, quando eu tinha 14 anos. Nessa época eu estava na oitava série no antigo ginásio, hoje conhecido como “ensino fundamental”, de uma escola municipal, o “Monteiro Lobato”, aqui de Pirituba onde moro. Estudei lá desde a primeira série, fiz amigos/colegas que conservo até hoje, foi um período muito legal da minha vida e nesse específico ano de 87, a gente estava para “se formar”. Aí tinha toda aquela coisa de pensar em como comemorar, baile, colação, viagem, comissão de formatura, arrecadar grana, fazer “rifa”, etc, afinal nossas famílias eram todas “durangas”. Mas éramos muito criativos e uma das formas que encontramos para levantar a tal grana foi fazer “bailes pró-formatura”, coisa muito engraçada… Funcionava de forma simples: alguém cedia a “garagem” da casa, aí tinha a tal Comissão formada por pais e alunos, os tais marcavam uma data para o baile, vendíamos entradas antecipadas com um preço “x” e no dia proposto iam todos lá montar a parafernalha do “baile”. Tinha comes e bebes (pagos), iluminação, som, segurança formada pelos pais (imaginem isso!), caixa, tesoureiro, seleção de rock e de “lentas” – que coisa mais brega! – tudo isso! Era nesses “bailes” que tudo acontecia, ou não… fulana “ficava” com sicrano, que era namorado da beltrana, que dava em cima do outro… nossa! Muita fofoca para a segunda-feira, lógico!

Aliás, lembrei que meu primeiro porre foi num desses “bailes”, em 1986, tomando “Cuba”… meu deus! Porre de Cuba… parece até coisa dos “anos dourados”!
Mas voltando ao ano de 87 e ao Movimento Punk. Os “bailinhos” eram coisa suuper família, imaginem que todos se conheciam e que o âmbito de venda de entradas era sempre a escola, no máximo ia um primo, um amigo da rua de diferente, mas era só a galera da escola mesmo. Acontece que os bailes começaram a ganhar certa fama naquele ano… vários motivos: meninas “jeitosinhas”, ótimo boca-a-boca, vendiam bebida (cerveja, cuba) e boa música… mas boa mesmo! Quem “dava” o som eram uns amigos meus, o Carlão, o Emerson, o Serginho, o Edu, algumas vezes eu ajudava na “consultoria”, mas o som era de primeira! Muito rock n’roll, pouca “lenta” (o suficiente para garantir a entrada das “gostosinhas beijoqueiras”) e volume alto! Naquela época, a gente curtia e rolava nos “bailes” Ramones, Dead Kennedys, Toy Dolls, The Clash, Beastie Boys, Pistols, 365 (nossos colegas de bairro), Plebe Rude, Garotos Podres, Legião, Titãs (Cabeça Dinossauro!), IRA! (Pobre São Paulo…), Replicantes,... Tinham também os hits como RPM, Ultraje a Rigor, Engenheiros do Hawai (URGH!), etc. A nova música eletrônica, na época: Pet Shop Boys, Front 242, Depeche Mode (I just can get enough), New Order. Coisas mais “darks” como Cure, Joy Division, Bolshoi, Mission, Jesus… Os clássicos: Stones, Beatles, Pink Floyd, Led, … muita coisa legal e chata também. A questão é que a seleção punk ficou famosa e a galera delirava quando começava a tocar “Nellie The Elephant”, “CALIFORNIA ÜBER ALLES” , ou “Should I Stay or Should I Go”, ou “Sheena is a Punk Rocker”, e tocava tudo, todos os hits do punk eram obrigatórios e exigidos!

Não sei se vocês sabem, mas a Tradição Punk Paulistana, vem da periferia, da Freguesia do Ó (como cantou nosso ilustre ministro Gil), de Pirituba, de Guarulhos, do ABC - os Punks de Sto. André! - nesses lugares a cena punk era bem forte, o pessoal andava mesmo a caráter, de coturno, jaqueta de couro, jeans rasgado, cabelo moicano e alguns já usavam até piercing! Não foi à toa que meu ídolo, o Angeli, criou seu grande “Bob Cuspe”, personagem que na época abafava nas páginas da falecida revista, ditadora do “mau” comportamento adolescente, “Chiclete com Banana”, que a gente se estapeava para ler emprestada dos amigos… O “Bob” era um típico punk da periferia, paulistanão, que contestava e cuspia em tudo… ele era a imagem caricata dos punks que rondavam a zona onde moro. Pocha… eu até sabia desenhar o “Bob”… que saudade…

Pois bem, devido à fama da seleção punk de nossos bailinhos, um temor começou a rondar a organização: a invasão do Punks…
Num determinado dia, marcaram o tal baile na casa do Emerson Paes, uma casa grande, numa avenida bem localizada do bairro. Começamos a vender as entradas e eis que surge o tal boato de que os Punks do “Pavilhão 8” – uma gangue da Vila Zatt – iria invadir nossa praia… Na verdade, eu fiquei excitadíssima, achei o máximo! Os Punks!!! Uau!!! Que prestígio!
As mães e as professoras ficaram aterrorizadas, mas tudo não passava de um boato e ninguém podia prever nada ao certo. O dia do baile chegou, a montagem foi tranquila, e a expectativa grande com a chegada da noite. Como sempre começamos às 19h30, seleção light para aquecer, “lentas” para agradar os beijoqueiros(as) e então rock começa a rolar solto para incendiar. Aquele dia o baile foi um sucesso de público, a casa do Emerson era grande e deu para vender mais entradas, lotou!!! Foi até uma gang de skatistas – Os Ratos de Rua - que alucinou quando tocou “Girls” e “No Sleep Till Brooklyn”, dos Beastie Boys, eles começaram a dançar com os skates e a subir pelas paredes de azulejo da garagem do Emerson, muito louco! De repente… chegam os punks lá fora e começam a pressão para entrar. Lembro que rolou um puta medo, todo mundo cagou nas calças, o pai do Emerson foi lá negociar a “não entrada” deles, mas não teve jeito, eles tinham grana para pagar e mais, tinham coturnos e eram dezenas deles!!!

Os caras chegaram bem na hora, era a hora de rolar a seleção punk-rock… entraram e já colaram no Carlão, que estava no som e intimaram:
“- Toca Dead Kennedys, aí!”
Nem lembro o que rolou, só sei que nem deixaram acabar o que estava rolando naquela hora e já soltaram um “CALIFORNIA ÜBER ALLES” na veia. Depois foi só pauleira, tudo e mais um pouco, não dava nem para chegar perto da “pista de dança”, ou melhor, da garagem, ela estava tomada pelos punks da Vila Zatt. Tinha gente se borrando de medo de rolar uma briga, as mães da Comissão estavam rezando, um monte de gente foi embora, mas a verdade é que os caras queriam curtir um som, e a gente também, pôw!
Tudo bem que não deu para dançar com eles lá, mas eu me diverti muito vendo a “pancadaria”, foi o máximo!
Imaginem como foi a semana seguinte à invasão dos Punks da Periferia, todo mundo contando um conto e aumentando 1000 pontos! Houve boatos de violência, roubo, etc… mas a verdade é que rolou punk-rock como nunca, naquele sábado à noite, na garagem da casa do Emerson Paes. Eles enobreceram a nossa festa e depois daquele dia, passaram a frenquentar nossos bailes, sempre meio que pressionando as picapes fazendo caras de poucos amigos, com o famoso “Rola Toy Dolls, aí!” , ou “Rola Ramones, aí!”, mas abrilhantando o ambiente.

Eu sou uma entusiasta desse Movimento, sempre curti as bandas, as músicas e letras agressivas, a atitude, e sua motivação. Fui impedida, por forças maiores, a ir ao show dos Toy Dolls, no glorioso Projeto SP, na Barra Funda, mas pelo menos passei na entrada e pude sentir o cheirinho de punk-rock que eles exalavam. Tive o privilégio de ter ido ao último show dos Ramones, no extinto Olympia, da Rua Clélia, na Lapa. No ano passado, fui assistir aos Stooges num festival aqui em São Paulo e entrei em êxtase quando o Iggy Pop entrou no palco e tocaram “I wanna be your Dog”, outro privilégio, ainda que tardio…


E para finalizar, 2 letras de punk nacional para recordar:

Festa Punk
Replicantes

Quero uma festa que não tenha STONES
Gosto muito deles, mas quero os RAMONES
Quero uma festa que não tenha BEATLES
Se é pra recordar prefiro SEX PISTOLS

Quero uma festa punk (X 4)

Quero uma festa em que eu possa dançar
Clash, Undertones e GBH
Discharge no banheiro, Exploited na cozinha
Conflict na escada e Vibrators no sofá

Quero uma festa com os KENNEDYS
Eles é que sabem o que é Hard-core
Depois pra esfriar, pra afastar os junkies
Poguear um monte ouvindo Circle Jerks

Papai Noel Velho Batuta
Garotos Podres

PAPAI NOEL filho da puta
Rejeita os miseráveis
Eu quero mata-lo
Aquele porco capitalista
Presenteia os ricos
E cospe nos pobres
Presenteia os ricos
E cospe nos pobres
PAPAI NOEL filho da puta
Rejeita os miseráveis
Eu quero mata-lo
Aquele porco capitalista
Presenteia os ricos
E cospe nos pobres

Presenteia os ricos
E cospe nos pobres
pobres
pobres

Mas nos vamos sequestrá – lo
E vamos mata-lo
Por que?

Aqui não existe natal
Aqui não existe natal
Aqui não existe natal
Aqui não existe natal

Por que?

PAPAI NOEL filho da puta
Rejeita os miseráveis
Eu quero mata-lo
Aquele porco capitalista
Presenteia os ricos
E cospe nos pobres
Presenteia os ricos

* Boas referências sobre o Movimento Punk

Link do artigo do meu amigo:
http://showlivre.uol.com.br/colunas.php?coluna_id=94


Filmes:
The Filth and the Fury (2000)
Julien Temple
Documentário. A verdade sobre os Sex Pistols.

Punk Attitude (2005)
Don Letts
Documentário sobre a história do punk nos EUA e UK, com depoimento de diversos artistas da época.

New York Doll (2005)
Greg Whiteley
Documentário sobre Arthur “Killer” Kane, baixista do New York Dolls.

Sid and Nancy (1986)
Alex Cox
Filme biográfico sobre Sid Vicius, da banda Sex Pistols.

Sites:

www.deadkennedys.com
www.thetoydolls.com
www.ramones.com
www.gritopunk.hpg.ig.com.br

4 comentários:

Unknown disse...

Que legal! Teve uma época que eu andava com uns camaradas punks,ao contrário do que se pensava, o pessoal era muito gente fina, inteligente e lia muito além de curtir um som. Os caras dos Garotos Podres, eram de uma cidade vizinha a minha no ABC, e de vez em quando eu via o vocalista na rua, que além de ser punk,se não me engano trabalhava no Banco do Brasil, o pessoal era trabalhador eu não conhecí nenhum vagabundo não. O que eu achava engraçado era os nomes das bandas punks nos catazes de festivais: Ejaculação Precoce, Disritmia, etc,mas a nacional que eu mais gostava ea a banda Cólera.

Osíris

Anônimo disse...

Aqui em Assis o movimento puk era liderado pelos meus amigos Julião e Conde. Eles marcavam as festas, que diferentes das da Pri, não se pagava para entar. Cada um levava os vinis que tinha, o Julião coloca o som, o Conde pegava os comes e bebes que a galera levava. As festas de garagens eram muitas (toda semana tinha), mas as melhores eram a da casa do Sodré, um cara estranho que surgiu do nada e partiu sem deixar pistas, pq ele morava sozinho (rsrsrsrs), mas o que era engraçado é que a casa era de madeira e quando os punks dançavam ela balançava no ritmo da música. Concluindo: até a casa era punk!
Na cidade da tristeza do Jeca tivemos show do Plebe Rude; Garotos Podres; Replicantes; e até dos Ratos do Porão (neste minha mãe ficou bolada deu ir e mandou o jeca do meu primo Marco me levar!).
Bons tempos... Ah! Punk, sempre punk... Até o Pedro canta: "Quando vc de paletó e gravata aparece na TV e diz coisas que não consigo entender. O que que eu faço, vou fazer coco..........."

Mulheres Foodidas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mulheres Foodidas disse...

Grandes lembranças do movimento punk...Embora eu fosse considerada por eles como uma "playbazinha", o Parque São Domingos, dentro de Pirituba era considerado bairro de Playboy, sempre curti muito a música... Lembro de shows incríveis no Projeto SP e de baladas inesquecíveis, no Retrô. A casa das casas.

Até hoje vivo bons momentos ouvindo Stooges, Ramones, Clash, Pixies, Sex Pistols. Punk is not dead. Rock roll na veia.