09 março 2007

Cap VI - Trilha Inca / Machu Picchu - 08/07/2004


Quem vos fala é uma nova pessoa...
Vocês devem imaginar porque... Ontem às 20h cheguei de volta da Trilha Inca, mais especificamente Machu Pichu como destino final...

Começamos a caminhada pela Trilha no dia 4 às 11h e fizemos mais ou menos umas 4h ao todo neste dia. Tudo muito light e reconhecendo o grupo que mostrou ser muito legal.
Éramos 8 pessoas, 3 franco-canadenses, 4 sul-africanos e eu; 3 garotas e 5 caras, entre eles 2 gays. Eu era a vovó... (óbvio!). A média era 24 anos com 2 meninos de 22... Tudo bem, não deixei a desejar! Todos disseram que eu não tinha cara de 31, fiquei suuuper feliz!!! Acho que realmente não tenho.

Na divisão das barracas tive um problema... eu sobrava sozinha… não tinha uma barraca só pra mim... merdas da organização peruana!!! Tive que ficar com um rapaz canadense, ainda bem que era o MENOS bobo dos 3 canadenses do grupo... apesar de bobos, eles eram legais. Ter companhia na barraca foi bom pois ficar sozinha, com o frio que fazia, seria complicado... pelo menos tinham 2 respirando lá dentro o que deixava o ambiente um pouco mais quente (no bom sentido!).

Consegui o que poucos conseguem: levar uma mochila HÍPER pequena! Ninguém acreditava! Tudo friamente calculado para não passar perrengues de peso e nem necessidade de nada... A RP Vieira, me deu algumas boas dicas sobre isso o que valeu e muito - "Tudo o que você pensar em colocar na mochila pode ser demais diante do segundo dia de caminhada...".
Baseada nisso, resumi tudo e lá fui eu, com a menor mochila do mundo para uma mulher, vou inclusive entrar no Guiness!!! Eheheh!!!

Acampamos na primeira noite num lugar bem podrão, como uma latrina nojenta, mas a comida era boa, aliás, o caminho foi recheado de boa comida e latrinas nojentas, um paradoxo...

A primeira noite com o meu "tent mate" foi ok, sem nenhum imprevisto ou ataque, tudo normal, assim como todas as outras noites, inclusive, ele tinha uma lanterna muito boa que eu também podia usar, fiquei bem feliz! Ah! O nome do meu colega era Eric.

Acordamos cedo no dia seguinte e a notícia que a guia nos deu foi que devido ao mau tempo dos últimos dias, tinha tido uma nevasca no passo de 4.200m (que teríamos que atingir naquele dia) e que iria depender do "controle" nos dizer se seria possível ou não passar por conta dos 40cm de neve... Foi aquele blablablá...
Eu, como odeio frio, entrei em pânico, além disso nunca tinha feito caminhada na neve e nem sabia como poderia ser, só sei que juntando o fato de aquele ser, normalmente, o pior dia de trilha, ainda ter que enfrentar neve na subida, seria uma loucura!!! Os meninos canadenses amaram a idéia, já que na terra deles só tem neve...

Vamos lá, subida por 4h e descida por mais 2h.
Primeiro controle: tempo melhor, os caras deixaram passar, se não deixassem teríamos que tomar outro caminho sem sítios arqueológicos...

Folha de coca e vamos nós... no começo fui retardatária, mas depois fiquei no meio do grupo (santa coca!!), mas morrendo... e carregando a mochilinha-mini... (uhuhu!!!)

Confesso que quase morri!!! Coisa de louco, não acreditava que a coisa podia chegar àquele grau de dificuldade!!! Suava, sentia frio, suava, sentia frio...e aí chegamos ao primeiro topo que eu, ingênuamente, achei que fosse o fim... poor Pri!!!

Mas enquanto isso também conseguia apreciar a paisagem, uma mistura de montanha com floresta, coisa que não temos no Brasil; uns paredões imensos que nos acompanhavam como se estivessem vigiando nossos pesados passos montanha acima.

Break para os chocolates e cereais e voltamos a subir, dalí já se via a imensa parede branca e gelada que iríamos enfrentar... não acreditei quando vi aquilo!!!
Os guias diziam que fazia 5 anos que não caía neve naquele ponto da trilha e que aquilo era uma raridade... Todos os guias, também dos demais grupos, estavam excitados pela neve rara e pelo visual, mas eu não sabia ao certo o que pensar daquilo tudo... NEVE???? FRIO???? SUBIDA???? já estava exausta ...

Comecei a subir o monstro branco que me pregava peças a todo o momento! Meu cajado (ah! eu tinha um cajado!!!) ,muitas vezes escorregava no gelo liso já prensado pelos pés dos peregrinos como eu. Minha superbota escorregava me ameaçando ribanceira a baixo a todo momento... Olhava pra cima e via ainda um imenso caminho a percorrer e eu morrendo... Num dado momento comecei a xingar em voz alta, no meio da neve, falando todos os palavrões que vocês podem imaginar (ninguém entendia mesmo), mas subitamente tive medo de avalanche, pois vi um bolinhos de neve rolarem... Tudo bem, era só pra desabafar o cansaço e o enorme desafio nevado...
Será que era sorte ou azar??? - me perguntava a todo momento... ali o frio já era bem mais pesado pois não tinha umidade nem vegetação, só gelo e montanha por todos os lados!

Chegamos então a um lugar onde tinha acontecido uma "pequena" avalanche, e a neve estava todoa revolvida, suja, impedindo o "bom andamento" (se é que se pode dizer isso…) dos caminhantes. Um guia ficou ali ajudando seu grupo a passar e, obviamente, quando chegou na minha vez ele se foi e senti meu primeiro MEDO de verdade... medo de cair, de rolar cordilheira abaixo... que horror!
Escorregava a todo momento, o gelo estava muito liso e muitas vezes era mais seguro pisar no fofo (40 cm aprox) pois dava mais estabilidade, mais gelava o pé.

Finalmente chegamos ao passo dos 4.200m, festa geral, fotos, todo mundo doido pela novidade, um monte de neve e um frio danado!!!! Foi quando me ative ao trecho seguinte da trilha: uma descida super íngrime, de 2h mais ou menos, cuja primeira hora seria na neve... os que já fizeram a trilha, sabem o que é aquela descida... imaginem só, toda coberta de neve!!! Era puro escorregador branco e ameaçador!!!! Gelei mais do que já estava...

Fui falar com a nossa guia e disse que estava CAGA... de medo de descer e arrebentar meus lindos dentinhos arrumados por 5 anos de aparelho FIXO! Ela, coitada, disse que também estava, ela nunca tinha descido “aquilo” com neve... ai ai...

Muitas fotos, bonecos de neve e vamos nós morro abaixo... empunhei meu superhíper-cajado como " Thor" e fui escorregando... primeiro chão, segundo chão, terceiro chão... Tremia de medo, queria chorar, queria ajuda, mas nada, todo mundo tava na mesma situação que eu... ainda assumi a dianteira do meu grupo, pois como cai muitas vezes, acabei ganhando mais tempo(eheheh!!!)... Logo meu “tent mate” e seu fiel escudeiro desceram como doidos, correndo na neve e sumiram horizonte abaixo...

Os carregadores, coitados, de chinelo, de bermudas e com aquelas enormes cargas nas costas, eram os mais visados nos tombos... meu Deus... tive vontade de chorar por eles!
Depois de uma hora de horror na neve, a coisa começou a derreter e me deparei com pequenos rios de água corrente, provenientes do degelo da monstra branca...
Meus joelhos tremiam pelo esforço da subida e descida, mas continuei firme! Fora os doidos que desceram correndo, meu grupo tinha sumido lá atrás de mim...

No caminho abaixo, já mais calmo, fui conversando com um carregador, EDOARDO, 25 anos, muito legal e simples que pouco falava espanhol, falava mais quechua mesmo. Ele me relatou a vida horrivel de um carregador. Os carregadores, são aqueles que acompanham os grupos que fazem a Trilha Inca e que levam as barracas, a comida, e todo o resto, inclusive o botijão de gás, que não é dos pequenos... São 25kg para cada!!!

Ele dizia que ganhavam, pelos 4 dias, mais ou menos R$ 30,00, no máximo R$ 50,00... isso não é vida... ele falava de suas perspectivas, o que pretendia, etc... Os carregadores tem até varizes nos braços… Ah! Existem também velhos carregadores!!! No terceiro dia, eu tive uma crise de choro, no meio da trilha sozinha, quando um dos velhinhos passou por mim, todo carregado, que vida é essa!!!

Quando finalmente cheguei ao acampamento, mais uma vez usei meu vasto vocabulário de palavrões. Ficamos eu e os dois canadenses ligeiros falando do desafio daquele dia...
Realmente, foi um teste mental de equilíbrio e resistência... a todo momento você pensa que não vai ser capaz de terminar, de chegar lá! Mas deu... Aquele segundo dia de Trilha Inca, foi certamente a coisa mais dificíl que fiz na vida!!!

O visual do acampamento era legal, bem no alto, mas não demorou pra começar a chover... choveu a noite inteira!!!!! E esse era o lugar mais frio e mais alto da trilha, imaginem com chuva!!!

Terceiro dia, 8h de caminhada porém bem mais light. Logo de cara já avistamos um sítio arqueológico e assim foi ao longo do dia com 4 sítios, alternando entre “terrazas”, fortalezas, armazéns de comida, sítios sagrados, coisas lindas!!!! deixando tudo o que já tinha visto ao redor de Cusco no chinelo!!!! Toda aquela natureza exuberante, com os paredões andinos e no meio, aquelas pérolas históricas! “ Uau!” - era isso que exclamávamos o tempo todo!

O sol se abriu quando chegávamos em nosso último acampamento, que coincidia com o sítio arqueológico mais bonito. Tiramos as blusas e conseguimos deitar, com folga de tempo, no meio de umas terrazas incas, um visual inesquecível!!! Com o rio lá em baixo, no vale do Vilcabamba, uma garganta profunda... um vale muitíssimo profundo, coisa de louco!!!

No acampamento, teria tido a oportunidade de tomar meu primeiro banho da trilha, mas levei pouca grana e tínhamos ainda que dar uma “gorjeta” para os carregadores, além de ter que comer no dia seguinte e pagar um maldito ônibus até o trem que nos levaria de volta para Cuzco. Sendo assim, tive que declinar ao banho, como um ato heróico... meu cabelo já estava mais que duro!

Neste acampamento, estavam todos excitados, pois o dia seguinte seria o GRANDE DIA!!!!

Acordamosas 3h30... escuro e lanterna na mão... Às 5h passamos pelo último controle antes da chegada a Machu Pichu, éramos os 2 primeiros grupos a sair do acampamento, o que nos dava a vantagem de chegar lá antes dos demais e ter ainda alguma privacidade para ver o espetáculo. Fizemos a caminhada de 1h30 em tempo recorde- 1h!!! Todos os 15 em fila indiana, como peregrinos RESIGNADOS!!! Lindo!!!

O dia amanheceu na selva alta!
O céu foi ficando azul, depois rosa, depois laranja, uma coisa única e então chegamos à "porta do sol", onde se daria a primeira vista da cidade sagrada...
Mas para nossa decepção - NADA... só neblina... todos ali parados diante “dela”, mas não a víamos, parecia que tudo era parte da mesma dificuldade de chegar, a névoa encobria o que esperávamos ver há 4 dias!!!!
Esperamos um pocuco, mas fomos em frente rumo a cidade de Machu Pichu, por mais 40 minutos de trilha... chegamos no ponto “x”, onde todos tiram aquela foto clássica e mesmo sob nossas barbas, a cidade não se revelava, dando então um ar mais místico ainda. Eu só ria, uma emoção me invadiu e eu queria rir, queria chorar, queria ver, mas sabia que tudo aquilo era parte do espetáculo... a névoa fazia a parte dele, um suspense.
Esperamos até às 7h30, todos tomando suas posições, escolhendo os melhores lugares, ângulos, armando seus tripés, ajustando suas câmeras, todos excitados... aguardando o espetáculo da natureza e da humanidade, juntos em perfeita harmonia!!!!
Foi então que sol começou a despontar na montanha Huayana Pichu... a famosa, ele cortava lentamente a neblina e aos pucos descortinou a cidade Inca...
Foi um momento de êxtase... todos lá assistindo a Natureza... não era um pôr do sol, nem o nascer dele... era Ele em harmonia com a obra humana! Chorei... as lágrimas escorreram e vi o quanto todo o sacrifício era necessário... Chegar ali sem caminhar, sem pensar na vida, sem sofrer um pouco, sem chuva, sem neve, sem natureza, sem descobrir aos poucos o que tudo aquilo significa, com certeza não seria a mesma coisa... Assistir ao sol e as nuvens abrindo caminhos para nossos olhos, ávidos por Machu Pichu é realmente um espetáculo, uma experiência, uma emoção!!!!

Não dá para falar/escrever mais, é isso, tem que ir para crer, para ver para sentir... tem que se superar... tem que ter paciência... tem que refletir... Machu Pichu é um sentimento e é isso!

Acho que a vida inteira e o que estiver por vir, já valeu a pena, depois de assistir o sol, que surgia atrás da montanha, o pico mais alto, formando uma certa "aura" rosa ao redor desse pico, dessa montanha... Mágico!
Nenhuma fotografia reproduziria aquela imagem... uma catarse!

Um beijo a todos! E espero do fundo do coração um dia todos façam essa trip.

Pri... the queen of the montains...

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