03 abril 2007

Clandestino?


Como uma viagem de férias pode se transformar num pesadelo? Para os mais otimistas, essa indagação pode parecer coisa de gente neurótica, mas não… essa é a realidade à qual estamos sujeitos ao inventar uma simples viagem de férias para o exterior.

Como esclarecimento aos ingênuos e leigos, quando digo “exterior”, me refiro aos ditos “países de primeiro mundo”.

Nós, pobres mortais sul-americanos, estamos mesmo condenados ao confinamento em nosso território. Se torna cada vez mais complicado querer sair da América Latina rumo aos tais “países de primeiro mundo” por inúmeros motivos: alto custo, falta de oportunidades, caos nos aeroportos brasileiros, ameaças de ataques terroristas, preconceito e consequentemente, rigidez nas políticas migratórias .

Cada vez mais, somos submetidos a situações humilhantes e vexatórias ao aportarmos em outro “país de primeiro mundo”, falo de nós “latinos”, mas não podemos esquecer outros povos igualmente discriminados como muçulmanos, asiáticos, africanos, mulheres, hossexuais e por aí vamos longe. Alguns podem se perguntar o porquê disso e talvez possamos enumerar algumas razões que podem parecer justificáveis:
- Combate ao emprego ilegal?
- Combate ao tráfico de drogas?
- Combate ao terrorismo?
- Controle demográfico?
- Evitar a mão de obra escrava?
- Evitar problemas de desemprego?
- Evitar epidemias?
- Preconceito religioso?
- Evitar a exploração sexual de mulheres e menores?
Nada disso justifica a forma como TODOS os considerados “suspeitos”, são tratados quando chegam num desses países, sendo julgados por critérios pouco transparentes e muitas vezes, culminando com uma deportação inexplicável e banal, sem direito a recurso!
A mentaliade não evita os problemas e fica clara a atitude de colocar a sujeira em baixo do tapete do outro e fazer vistas grossas para a responsabilidade mundial de toda essa miséria que assola todas as nações, independente de índices econômicos.

Falo tudo isso pois, na semana passada, minha irmã passou por uma situação complicadíssima ao chegar em Madri, de férias, para visitar o namorado que estuda em Bilbao, no país Vasco. Foram mais de 6 meses juntando dinheiro suado de trabalho, para tirar merecidas férias depois de 5 anos de faculdade, vivendo a pindaíba de grana, aproveitando seus primeiros “níqueis” faturados no mercado de trabalho para passear e matar a saudade apertada do namorado. Tudo friamente calculado para dar certo: passagem aérea pesquisadíssima, quantidade de dinheiro, seguro saúde, mochila nova, contatos de amigos para hospedagem, expectativa, uma grande festa!

Saiu de S. Paulo na terça às 7h20, indo por Buenos Aires (a passagem da “Aerolineas” era mais barata), para chegar em Madri às 7h da quarta-feira. Tudo certo… Mas quando chegou lá, ela e TODOS os demais passageiros da aeronave(argentinos, brasileiros, peruanos, bolivianos, etc), foram barrados pela migração… TODOS!!! Ficaram presos na “salinha” sem poder se comunicar com ninguém ou sequer se alimentar, por mais de 7h! Após as tais 7h de espera inútil e de desespero de todos os que os esperavam lá e aqui, foram liberados sem nenhuma explicação. Detalhe: no caso da minha irmã, sua mala ainda foi extraviada aparecendo somente no dia seguinte…

Depois de tudo isso, temos ainda que proferir a infeliz frase: “- Ainda bem que ela não foi deportada…” . Ainda bem o quê??? Isso tudo foi uma falta de respeito, abuso, preconceito, tudo!
Será que algum leitor ainda vai tentar justificar alguma coisa?

A todo instante somos subjulgados pelos que possuem o poder, seja em nosso próprio país seja fora dele. Portamos a tarja de estrangeiros “non gratos” porque somos de uma região explorada por colonizadores estúpidos que nos deixaram como legado, nada mais do que a pobreza econômica e social perante o mundo. Para eles, nossas riquezas são todas exploráveis e mal aproveitadas e não vão além dos recursos naturais. Já nos sugaram pelo ouro, pela prata, pelo açúcar, pelo café, pela cocaína, nos sugam pela biodiversidade e talvez, num futuro próximo, nos matem pela água.

Nossa diversidade cultural é inexistente aos olhos desses infelizes estrangeiros em nossa terra. O samba, o carnaval, o futebol, o café e a cerveja talvez seja o máximo que eles consigam absorver… somos massacrados pela globalização predatória que nos empurra suas modas e cultura de massa, fazendo com que nossas crianças também não enxerguem seu próprio jardim.
Os franceses, os italianos, os espanhóis, os americanos e alemães, continuam vindo aqui para abrir pousadas em nosso litoral, as grandes redes mundiais de hotéis também chegam de forma galopante e pregam a ilusão do preço baixo, quando o serviço é de "quinta" e o acesso é destinado aos próprios, já que são eles mesmos que possuem a moeda forte. Com isso o setor, uma vez formado por grupos nacionais, famílias locais, são engolidos pelos gigantes porque não acompanharam as “tendências globais de mercado”.
Da mesma forma os Carrefours, Extras, Bigs, Sam’s, Wall Marts, etc, acabam com os mercadinhos tradicionais dos bairros, pois seus preços “são imbatíveis”, dão até de graça! A Telefônica chega sucateando nossa telefonia e se apodera de todos os demais serviços de telecomunicações e tecnologia com o discurso, cara-de-pau, de que não monopoliza nada… Sim, eles estão certos, “Pizarro” não comandou nenhum ato de genocídio na América Latina.
“There’s no free lunch at all, my friends!”

A história da América Latina, carrega essas e muitas outras marcas, a massa dificilmente se lembra disso até porque nem teve acesso a essas informações e provavelmente não saberia assimilar nada disso. Dura realidade…

Continuaremos pois, sendo barrados em aeroportos do primeiro mundo, tolhidos de nossa liberdade de ir e vir, de conhecer culturas diferentes, de ver a arte da diversidade, a arte dos grandes mestres, de migrar, de miscigenar?
E depois dessa triste constatação, manteremos nossa postura de “homem cordial”, definida por Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil”, continuaremos sendo hospitaleiros e generosos com os estrangeiros que aqui chegam, daremos presentes, levaremos para passear, estenderemos o tapete vermelho, afinal é essa ainda a única forma de sermos notados e reconhecidos.

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